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Vico e a linguagem poética

 

Os filósofos medievais tiveram grande interesse pelo estudo da palavra e dos outras formas de expressão, talvez em consequência da herança deixada pelos judeus, no Antigo Testamento, onde Moisés coloca o verbo como elemento da criação: “E disse Deus: Haja luz. E houve  luz.” Ou ainda: “E disse Deus: Produza a terra.” O Criador não fazia as coisas com as mãos mas com as palavras

Assim é que um católico italiano, cujos primeiros estudos foram feitos com padres jesuítas, estruturou a Ciência nova a partir da linguagem. Giambattista Vico (1668-1744) encontrou na língua os mitos, as fábulas e tradições que constituem a expressão do espírito humano. Partindo do princípio de que tudo que o homem sente, pensa e produz, mantém ligações entre si e forma unidades estruturais, o filósofo toma o estudo da linguagem como ponto de convergência para a compreensão de todos estes fatos. Procura, assim, unir a Filosofia e a Filologia (diríamos, hoje, a Linguística), ao lado dos estudos do simbólico.

Para Vico, a história da humanidade é mercada por três momentos distintos: a idade dos deuses, a idade dos heróis e a idade dos homens. Todos os povos passariam por estas etapas de desenvolvimento, sendo que a primeira estaria ligada a uma espécie de linguagem pré-simbólica, onde a comunicação se daria mediante sinais e caracteres naturais, isto é, constituídos a partir de indicações diretas dos objetos. A segunda já seria marcada pela presença do simbólico, quando toda comunicação depende de imagens, metáforas e demais recursos necessários aos intentos heroicos. Finalmente, a terceira é onde aparece “a língua humana, mediante vocábulos convencionados pelos povos” .

Ele acredita que o homem, num estado primitivo, não dominava ainda os processos de simbolização, passando depois para um estádio de uso de imagens e figuras imprecisas, até chegar a um sistema de convenções. Esta compreensão da linguagem e da sua gênese é retomada mais tarde por Rousseau, podendo ser descrita a partir da seguinte hipótese:

Numa etapa inicial, o homem procuraria manter um contato direto com os objetos do mundo, constituindo o conhecimento tão somente na relação do sujeito com um objeto particular (e não com todos os objetos da mesma espécie). Seria uma forma semelhante ou próxima à dois animais, que conhecem um objeto determinado, sem conseguir chegar à generalização.

Em seguida, o homem começaria a perceber difusamente a relação existente entre os objetos de uma mesma classe; e esta percepção, difusa e imprecisa do mundo, implicaria uma forma de expressão também inexata, metafórica.

Vico conclui que “os primeiros povos da gentilidade, por uma comprovada necessidade natural, foram poetas, e falaram por figuras poéticas”. Ele entende por linguagem poética uma formação aberta dos conteúdos, tomando a metáfora como modo de captar e, ao mesmo tempo, de expressar uma realidade apreendida de forma também incompleta. Há uma observação feita na introdução dos seus Princípios de uma ciência nova bastante sugestiva, segundo a qual os  mistérios dos oráculos eram, em todas as culturas, revelados em versos, bem como os mistérios da sabedoria popular se escondiam nas fábulas.

Isto quer dizer que o recurso utilizado pela poesia é um instrumento de formação e compreensão de coisas novas. Ou melhor, o verso estaria a serviço de uma formação da realidade ainda desconhecida.

A moderna Semiologia toma tanto a língua quanto a arte e o mito como formas de conhecimento, e podemos constatar que a língua delimita a realidade de modo relativamente preciso, estabelecendo entre os seus usuários um acordo quanto à forma de ver os objetos.

Assim, podemos também comunicar de modo relativamente preciso as nossas percepções, utilizando as categorias e classificações mediante as quais a língua compreende e enforma o mundo.

No entanto, quando estamos diante de fatos novos, não convencionados pelo espaço social da realidade, necessitamos de uma linguagem diferente daquela já estabelecida, não só para apreender os novos aspectos da realidade como também para expressá-los.

Quando o poeta utiliza metáforas, ele não busca adornos de linguagem, mas assim procede porque só consegue dizer o novo de modo novo. É como se as palavras usadas de forma usual fossem insuficientes para dar vida e expressão e a uma coisa, ou a uma percepção, inteiramente nova.

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Vico e a linguagem poética. Artigo sobre arte e linguagem na filosofia de Giambattista Vico. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 03 fev. 97, p. 7.

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