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Do jornalismo à literatura

 

Sérgio Matos é um profissional de imprensa estimado e respeitado pelos seus colegas. Iniciou-se no jornalismo há mais de vinte anos, quando o exercício da profissão ainda não era exclusivo aos diplomados em comunicação. Naquela época, profissionais ou universitários das várias áreas de saber estagiavam nas redações até aprender o essencial.

Mas, em meio aos velhos repórteres e redatores, uns poucos rapazes, ainda estudantes de colégio tornavam-se “focas”. Foi nesta época que conheci Sérgio Mattos. Ainda colegiais tentávamos escrever alguma coisa parecida com poesia, um conjunto difuso de sonhos adolescentes, ao mesmo tempo em que estagiávamos como repórteres de setor.

A redação de jornal, ao tempo que nos fazia sonhar mais alto, podava um pouco os sonhos mais impossíveis. A objetividade da escrita jornalística, então perseguida como novidade, ordenava e dava coerência aos nossos pensamentos juvenis.

Um pouco depois tornamo-nos mais próximos, quando nos tumultuados idos de 1968 fizemos vestibular para Jornalismo. Depois de formado, Sérgio foi para os Estados Unidos, onde fez seu Mestrado e seu Doutorado em Comunicação, enquanto eu andava por São Paulo estudando Literatura. O trabalho na área de Letras afastou-me do jornalismo diário, tornando-me colaborador eventual de jornais de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Salvador.

É com prazer, portanto, que reencontro em dois livros o velho colega Sérgio Mattos. O primeiro é um livro de poesia, Estandarte, já em segunda edição, cuja primeira, publicada no início do ano, esgotou-se depois de consecutivos lançamentos em cidades do interior. Sérgio contradiz a crença de que poesia não vende. Praticando um texto simples, às vezes ingênuo, ele faz versos como se fizesse prosa, estabelecendo um diálogo com o silencioso interlocutor, o leitor. É talvez esta escrita dirigida a um público mais amplo que assegura a receptividade junto a pessoas que não têm hábito de ler poesia. A emoção direta é colocada em palavras, como faziam alguns românticos, no século XIX. Mas, enquanto os românticos derramavam a emoção respeitando algumas fôrmas consagradas, Sérgio parece querer abolir tal compromisso com a estrutura do verso para praticar uma dicção prosaica.

É evidente que tal prática o afasta dos poetas empenhados no cultivo do verso como forma de expressão oposta à prosa. Veja-se por exemplo o poema “Ideologia”:

 

“Em tempo de patrulhamento

político ou ideológico

sempre mantive meu pensamento

isento e lógico,

procurando o bom senso.

 

Afinal, não nasci máquina,

não nasci trem, com vocação para andar em linha,

nem tampouco, acreditem,

vagão para pensar em bloco.”

 

Os versos acima não trazem nada que diferencie a linguagem do poema da linguagem da prosa, do discurso ideológico ou da declaração política. Manuel Bandeira colheu situações do cotidiano, transformando uma notícia de página policial em poema. Mas imprimiu um tom diferencial ao texto colhido. Aqui, Sérgio se limita ao discurso direto, incisivo. Dizendo o que pensa. Mas os lugares comuns deste texto prejudicam a sua recepção enquanto texto poético, transformando-o em texto pragmático, de forma que eu o situaria entre os momentos mais fracos do livro.

Mas outros leem de modo diferente. Jorge Amado, por exemplo, parece contradizer o ponto de vista acima: “Não sou crítico literário e se, às vezes, me animo a dar palpites sobre um romance por ser oficial desse ofício, não me animo a comentar poesia. Poesia, leio e gosto ou não gosto, é tudo. No caso da poesia de Sérgio Mattos, leio e releio com um prazer sempre renovado e sempre maior. Gostaria, no entanto, de fazer referência especial ao poema ‘Ideologia’. Você escreveu, com beleza e exatidão, o que eu penso desde há muitos anos.”

Veja-se que, mesmo um leitor refinado como Jorge Amado, aceita o tom direto do discurso deste “Ideologia”, obliterando a apreciação da forma em favor da identidade de conceitos.

O outro livro lançado por Sérgio Mattos (o terceiro deste ano!) é O controle dos meios de comunicação, um estudo útil e sobretudo oportuno, quando se discute a conveniência de uma Lei de Imprensa. Como jornalista e professor do curso de Jornalismo, sempre atualizado, o autor tem suficiente autoridade para discutir o tema. Sua contribuição destina-se, portanto, aos profissionais da área e aos estudantes que, desde já, participam do debate de ideias.

O livro faz uma abordagem segura dos diversos modos encontrados pelos estamentos do poder de controlar os meios de comunicação, de forma a atenuar o impacto da informação independente. Em livro anterior, Sérgio Mattos abordou o censura imposta em tempo de guerra, quando mesmo os países que se dizem guardiões da democracia desrespeitam inteiramente o direito de acesso aos fatos pelos seus cidadãos. Neste volume de agora ele traz a tona formas mais perigosas de controle, porque exercidas de modo menos evidente. É o que acontece com o chamado controle econômico.

Não guardemos ilusão de que exista uma imprensa livre e aberta ao pleno debate de ideias, mesmo em países de estabilidade democrática. As elites econômicas impõem a sua ideologia aos meios de comunicação, ora seduzindo e neutralizando as inteligências mais expressivas, ora assumindo abertamente o controle sobre as empresas.

Que profissional de jornal, rádio ou televisão pode expressar as suas próprias opiniões, contrariando os interesses dos donos de um órgão de imprensa? Cada vez mais, os jornais ou as emissoras deixam de ser controladas por jornalistas para serem presididas por influentes políticos e empresários.

Observe-se quantas empresas jornalísticas são de propriedade de jornalistas. Cada vez mais, são familiares de políticos e influentes empresários, interessados em manipular o governo, que assumem a direção de veículos de imprensa. Família Collor, Sarney, Magalhães... Mesmo antigos grupos jornalísticos, como a família Marinho, transferem o centro da sua ação empresarial para outras áreas, de forma que os meios de comunicação se transformam em gigantescos “boletins empresariais”, destinados à defesa dos interesses econômicos do aglomerado.

É por isso que a questão ética levantada no livro de Sérgio Mattos deve ser vista com o maior relevo. Somente desenvolvendo uma ética profissional exemplar, por parte dos jornalistas, se poderá evitar a degradação da imprensa à condição de mera assessoria de comunicação dos grandes grupos. Quando o poder do capital fala mais alto é necessário que a ética de uma classe se transforme em sentinela quixotesca, porém intransigente.

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Do jornalismo à literatura. Artigo sobre os livros Estandarte e O controle dos meios de comunicação, de Sérgio Mattos. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 29 jul. 96, p. 7.




































 
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