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Hollywood é aqui

 

Gabriel Zide Neto é um jovem escritor que fez sua estreia como contista em 1993 com O segundo par de olhos. É tradutor e roteirista. Seu mais novo livro, o romance Círculo de fogo, publicado pela Record, pouco denuncia a escrita de um principiante. O texto parece seguir a receita dos bem sucedidos best-sellers do mercado editorial: objetividade, clareza e poder de reunir uma história cheia de peripécias a algumas situações e observações inteligentes. Estas últimas, são destinadas ao leitor mais bem formado.

A oficina de textos deste escritor, que se exercita nos domínios do conto, do romance e do roteiro, denota estar sustentada na observação da técnica de escritores experientes. Tradutor do alemão e do inglês, Gabriel Zide Neto demonstra suficiente talento para usar os trabalhos de tradução como laboratório de aprendizagem e experiência dos seus próprios processos de construção e fabulação.

Sabemos que traduzir é recriar uma obra numa outra língua, é dividir com o autor a tarefa de reescrever o texto e valorizar as tramas engendradas. Deste modo, o escritor encontra na tradução um excelente material para aperfeiçoar seus recursos de escrita.

Duas escolas informais e eficientes têm, ao longo dos anos, aberto suas portas para os escritores: o jornalismo e a tradução.

Na primeira, aprende-se a procurar a clareza e a substituir (ou a fingir substituir) as razões do sujeito que escreve pelo universo do possível leitor. Manter a atenção e o interesse de quem lê, facilitando a compreensão do texto, são as exigências iniciais. Aparentemente, isto é pouco. Mas, se considerarmos que o sujeito que se imagina artista tem um ego maior do que universo, veremos de saída que o narcisismo prende o autor aos limites do seu próprio mundo. Muitos artistas se recusam a fazer qualquer concessão ao receptor do seu trabalho, partindo do pressuposto segundo o qual as descobertas e maravilhas do seu universo enriquecerão o pequeno e obscuro mundo dos outros.

Esta atitude, às vezes, natural e necessária ao ímpeto criador tende a se exacerbar e levar o artista ao isolamento. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o romantismo, movimento literário que, pela supervalorização do sujeito, estimulou ainda mais o cultivo da individualidade. Qualquer incapacidade de adequação do sujeito ao meio podia ser tomada pelo inadaptado como sinal de superioridade. Tal convicção estimulava ainda mais a distância entre o eu do artista excêntrico e entediante mundo dos outros.

A esta altura o leitor estará se perguntando: qualquer semelhança com a paranoia será mera coincidência?

Foi o mesmo século XIX, pródigo em estimular a criação de personalidades ímpares, que, pressentindo a transformação da república das artes numa cidade cheia de becos sem saída, tomou a despersonalização como pedra de toque da modernidade.

Juntemos o que foi dito. A partir da segunda metade do nosso século processou-se uma revolução na técnica de escrita jornalística, onde a objetividade, entendida como suspensão das razões do sujeito e observação da lógica do outro, visa assegurar a compreensão do se tinha a dizer. O mesmo movimento de despersonalização que propiciou a modernidade literária chegou ao jornalismo. Assim, a aceitação de uma estratégia para atender a uma exigência do mercado de trabalho possibilitou a alguns destes profissionais a construção de um estilo literário moderno.

Assim como o jornalismo foi uma escola para muitos escritores aperfeiçoarem os seus recursos, a tradução também tem sido. Com uma vantagem adicional: se o tradutor trabalha sobre obras literárias de escritores experientes, a análise dos processos de construção que implicitamente precede o ato de traduzir permite ao tradutor assimilar com frieza e objetividade um turbilhão de eventos marcados pela luta entre a emoção e a razão.

Aprender criando o próprio texto implica num envolvimento tal do autor que poucos conseguem emergir deste mar de dentro. Aprender recriando sobre um texto alheio agudiza o senso crítico e facilita bastante a procura dos melhores caminhos expressivos.

Ao ler o texto de Gabriel Zide Neto, são estas observações que vêm à mente para explicar o modo natural, à vontade, com que ele transforma em linguagem escrita a sucessão de fatos e intrigas que constituem a trama de Círculo de fogo.

Bem verdade que algumas situações são demasiadamente hollywoodianas; algumas peripécias ultrapassam os limites da verossimilhança exigida pelo leitor de boa literatura. Como os consumidores das maravilhas de Hollywood incluem no verossímil algumas situações mirabolantes que pareceriam demasiadamente oníricas para a realidade da prosa de ficção, uma distância separa o real ficcional da literatura do real ficcional dos roteiros cinematográficos e televisivos.

No texto literário feito para ficar, menos espuma e mais corpo a corpo com as palavras é uma boa receita. Se o autor de Círculo de fogo desejar sair do universo dos livros de consumo bem escritos para o pequeno mundo da boa literatura, já está qualificado para isso. Porque ele sabe escrever e contar uma boa história.

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Hollywood é aqui. Artigo crítico sobre o livro Círculo de Fogo, de Gabriel Zide Neto. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 26 mai. 97, p. 7.







































 
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